03 de maio de 2024 - SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Uma visão sobre os cuidados de final de vida na Terapia Intensiva Cardiológica

Uma visão sobre os cuidados de final de vida na Terapia Intensiva Cardiológica.

Flavia Cunacia D'Eva

Médica Cardiologista pela SBC; Intensivista pela AMIB; Paliativista pelo Instituto Paliar e Pallium Latino América.


 

As doenças cardiovasculares ainda continuam sendo a principal causa de morte no mundo e a maior parte dos pacientes falecem em unidades de terapia intensiva (UTI) sendo mantidos em cada vez mais modernos suportes avançados de vida. Com o perfil desses pacientes mudando, devido ao aumento da expectativa de vida, comorbidades e condições cardiovasculares mais complexas, a necessidade de Serviços de Cuidados Paliativos (CP) ganha importância. No entanto, poucos estudos descrevem os cuidados de fase final de vida na UTI.

Artigo publicado em 2022 no European Heart Journal traz justamente essa visão dos cuidados de fim de vida em UTI cardiológica:“End-of-life care in the cardiac intensive care unit: a contemporary view from the Critical Care Cardiology Trials Network (CCCTN) Registry. Menciona que historicamente as UTI cardiológicas tinham a missão de modificar favoravelmente os desfechos do infarto agudo do miocárdio e que agora as admissões são predominantemente de pacientes com múltiplas doenças crônicas em agudização. E que apesar das terapias avançadas, a mortalidade continua alta, assim surge mais interesse em Serviços de CP nesse cenário, com objetivo de reduzir sofrimento, aliviar sintomas e melhorar qualidade de vida.

Estudo multicêntrico, retrospectivo e observacional (26 centros nos Estados Unidos e Canadá) com registros de dois meses consecutivos de admissões por ano de 2017 a 2020. Total de pacientes 13422, onde 10% faleceram na UTI e 2,4% foram transferidos para hospice. Foram capturados o código de estatus na admissão: somente medidas de conforto (SMO); não entubação e ressuscitação; código total e o momento da decisão de transição do cuidado para (SMO) antes das mortes na UTI. Ainda no período de 2019 a 2020 expandiram o registro com o momento da consulta com a equipe de CP. Na análise estatística, compararam-se as características entre os grupos utilizando o wilcoxon teste e x2 para as variáveis categóricas.

Os resultados foram que 68% dos pacientes receberam a decisão para o cuidado de SMO precedendo a morte. E que quando comparados com os pacientes que não receberam SMO, os primeiros eram mais velho e com significância estatística. Já outras doenças crônicas, como câncer e demência não houve diferença estatisticamente significante. A maioria dos pacientes que transicionaram para SMO tinham diagnóstico de pós-parada cardiorrespiratória. 

O tempo médio entre a admissão na UTI para a decisão de SMO foi de 3,4 dias. Tempo de decisão de SMO para morte foi menos de 24 horas em 88% dos casos, com média de 3,8 horas. Antes da decisão por SMO, 78% receberam ventilação mecânica e 26% suporte circulatório mecânico. A equipe de CP participou do cuidado em 41% dos casos dos pacientes que morreram. Dentre os pacientes que receberam consulta com equipe de CP antes da morte, foi iniciado SMO em 78% dos casos e 50% nos que não tiveram envolvimento com a equipe de CP. Dos pacientes que transicionaram o cuidado para SMO antes da morte, 87% eram código total na admissão.

Interessante que o SMO foi usado em 2/3 dos pacientes que faleceram, porém consultas formais com equipe de CP ocorreram em menos da metade dos casos. Evidenciando que os cardiointensivistas iniciaram a implementação desse cuidado e talvez haja escassez de equipes especializadas em CP. Outro ponto foi o peso da idade na decisão de transição para SMO, visto que comorbidades associadas à funcionalidade são aspectos a serem levados em conta no plano de cuidados, no entanto não tiveram relevância estatística.

Evidenciou-se o alto número do uso de terapia avançada antes da morte e o intervalo curto entre a SMO e morte, que pode refletir a dependência e a subconseqüente retirada de suporte avançado de vida. O tempo médio de 3,4 dias entre a admissão e a transição para SMO pode ter sido o tempo necessário para o tratamento inicial de uma condição aguda, seguido de reavaliação, caso o paciente evolua para disfunção orgânica múltipla.

O fato é que a abordagem paliativa no final de vida foi tardiamente implementada, e mais, o envolvimento da equipe especializada foi pequeno, perdendo-se a oportunidade de facilitar comunicação, minimizar sofrimento e focar o cuidado no paciente- família. O objetivo ideal seria que os cuidados intensivos e PC fossem complementares, visto que pacientes com insuficiência cardíaca têm grande demanda de sintomas, longos períodos de internação e difíceis tomadas de decisões no final de vida.

Finalizando, o estudo tem algumas limitações como: amostra de UTI cardiológica de centros terciários; período curto dos registros das consultas com equipe de CP e não há relato de manejo de sintomas. Enfatiza a necessidade de mais estudos que olhem para esse manejo de fase de fim de vida, qualidade de vida e mais equipes especializadas em CP, em especial para população de pacientes cardiológicos.

Referência

Fagundes Jr A, Berg DD, Bohula EA, Baird-Zars VM, Barnett CF, Carnicelli AP et al. End-of-life care in the cardiacintensive careunit: a contemporaryviewfrom the CriticalCare CardiologyTrials Network (CCCTN)Registry. European Heart Journal: Acute Cardiovascular Care. 2022;11:190-7. Disponível em: DOI: 10.1093/ehjacc/zuab121. 


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