Fundamentos da Atenção Psicológica em Cuidados Paliativos
“Quando estamos perto da morte, aquilo com o que deparamos é um muro. (...) Não tem como dar a volta. Não tem como escalar. (...) a única coisa a fazer é olhar para trás. Então, quando estamos diante da morte de uma pessoa, que fique bem claro para nós: aquela pessoa está olhando para o caminho que percorreu e tentando entender o que a fez chegar até ali – e se aquela viagem valeu a pena.” – Ana Cláudia Quintana Arantes
Os Cuidados Paliativos constituem-se como prática terapêutica multiprofissional transdisciplinar, sendo imprescindível que diversos campos do saber estejam articulados para dar conta do sofrimento humano, que, por sua natureza, é multidimensional. O campo afetivo é o palco de uma série de manifestações que estão relacionadas à percepção de finitude da vida suscitada pela experiência de adoecimento, tanto no paciente quanto nos seus familiares, e até na equipe que o assiste.
É importante ressaltar que os Cuidados Paliativos são indicados, em sua maioria, para pacientes portadores de doenças crônicas. Isso implica que as demandas emocionais apresentadas pelos pacientes e familiares serão diferentes, de acordo com o tipo de doença, do grau de avanço da mesma e do impacto na funcionalidade e na dinâmica familiar ao longo do tempo. É necessário ter em mente em que momento paciente e familiares se encontram nesse continuum entre momento o do diagnóstico e o processo de fim de vida, de modo a construir estratégias e intervenções que atendam às suas necessidades.
Com relação ao paciente é valioso lembrar que o sofrimento de perceber nossa mortalidade não começa no processo de morrer. Esse assombro já está presente na possibilidade de um diagnóstico. Até o momento final de vida o paciente terá o desafio de elaborar vários lutos (reais e simbólicos), com toda tempestade emocional que os acompanha, mas também poderá construir novas coisas – memórias, legados, laços, reconciliações – de acordo com seu ciclo de desenvolvimento (criança, adolescente, adulto ou idoso), características de personalidade, história de vida, dinâmica familiar, condições socioeconômicas e inserção cultural e espiritual. O acompanhamento psicológico durante esse trajeto tem como objetivo colaborar com o desenvolvimento de recursos de enfrentamento que ajudem no manejo dos sentimentos despertados por esse caminho.
Mas ninguém adoece sozinho e os Cuidados Paliativos admitem o valor do envolvimento da família no planejamento terapêutico, bem como a importância de reconhecê-la como sujeito de cuidados. As alterações nos papéis familiares, a sobrecarga física e emocional do cuidador, a capacidade de reorganização familiar diante das mudanças nas necessidades do paciente e o processo de luto antecipatório são elementos que precisam ser abordados e acolhidos. Uma atenção especial deve ser dada à “Conspiração do Silêncio”, isto é, o acordo implícito ou explícito por parte dos profissionais, amigos e familiares de alterar a informação que é dada ao paciente com a finalidade de ocultar diagnóstico ou gravidade da situação do mesmo. Tal fenômeno deve ser trabalhado sempre que identificado, uma vez que ele tende a agravar o sofrimento emocional de todos os envolvidos (paciente-família-equipe) ao longo do tempo e o olhar do psicólogo é primordial nesse tipo de situação. Ressalta-se, ainda, que os Cuidados Paliativos não se finalizam com a morte do paciente – a atenção e gestão do luto por meio da escuta qualificada, buscando um desenvolvimento adequado do mesmo, também é alvo terapêutico.
Por fim, mas não menos importante, os profissionais que assistem aos pacientes e familiares no processo de fim de vida – paliativistas ou não-paliativistas – também necessitam de atenção e acolhimento. O contato continuo com a dor e o sofrimento do outro, o luto nãoreconhecido/inibido e o pouco preparo para lidar com as reações emocionais comuns ao período de finitude são alguns dos elementos que impactam na saúde mental dos profissionais. A empatia e a validação de tais reações emocionais são os principais recursos dos quais o(s) psicólogo(s) podem dispor no acolhimento aos profissionais que atendem pacientes em processo de fim de vida.
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