Dengue, anticoagulação e antiagregação plaquetária
Idelzuita Leandro Liporace é assessora científica da SOCESP, Doutora em Medicina pela USP e coordenadora do Setor de Anticoagulação Oral do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Diferentes mecanismos agem sinergicamente contribuindo para a diátese hemorrágica na dengue e a plaquetopenia é uma manifestação comum tanto na forma clássica quanto na hemorrágica.
A plaquetopenia pode ser secundária a menor produção medular de plaquetas ou por maior destruição periférica, ocorre geralmente entre o segundo e sexto dia da doença, retornando aos valores basais sete a dez dias após o período de defervescência.
Os fatores da coagulação (fibrinogênio, fatores V, VII, VIII, IX e X, além da antitrombina e α2-antiplasmina) podem apresentar reduções variáveis da sua atividade durante o período febril, justificando um prolongamento discreto dos tempos de protrombina (TP) e tromboplastina parcial ativada (TTPa).
A decisão de interromper o uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários no contexto da dengue é complexa e envolve a avaliação do risco-benefício para cada paciente, devido ao receio de complicações tromboembólicas e hemorrágicas.
No perfil mais grave para sangramento, a DENGUE HEMORRÁGICA, deve-se suspender imediatamente toda a terapia antitrombótica (antiplaquetários e anticoagulantes) e considerar além da reposição volêmica, a transfusão de plaquetas, administração de concentrado de complexo protrombínico, plasma e vitamina K intravenosa (para pacientes em uso de varfarina).
Pacientes em uso de antiagregantes plaquetários:
1- Para pacientes submetidos a angioplastia coronariana recente com implante de stents (um mês para stent convencional e seis meses para stent farmacológico), em uso de dupla antiagregação plaquetária, deve-se seguir as seguintes recomendações do Ministério da Saúde de acordo com a plaquetometria:
- Maior que 50.000/mm3: não há necessidade de internação ou suspensão dos fármacos, no entanto, a contagem plaquetária deve ser realizada e acompanhada diariamente até que haja remissão do quadro de dengue;
- Entre 30.000 e 50.000/mm3: admissão do paciente em leito de observação, sem suspensão inicial dos fármacos, mas com controle diário do número de plaquetas até que os valores permaneçam acima de 50.000/mm3;
- Menor que 30.000/mm3: internação do paciente, suspensão dos fármacos, contagem plaquetária diária até que os valores permaneçam acima de 50.000/mm3, momento no qual os fármacos poderão ser reintroduzidos, sempre avaliando o quadro clínico do paciente, o risco-benefício de manutenção da dupla antiagregação plaquetária, com avaliação do uso de antiplaquetário isolado até que haja remissão do quadro de dengue.
Obs: Em casos de sangramentos, estará indicada transfusão de plaquetas, na dose de uma unidade para cada 10 quilos de peso, além de medidas específicas para cessação do sangramento.
2- Para pacientes submetidos à angioplastia coronária com implante de stents farmacológicos em período superior a seis meses ou stents convencionais há mais de um mês, assim como aqueles em profilaxia secundária de doença arterial coronária ou cerebrovascular, deve-se utilizar apenas AAS e seguir as mesmas recomendações de suspensão ou manutenção do AAS de acordo com os valores da plaquetometria indicados anteriormente.
Pacientes em uso de anticoagulantes orais:
Segundo o Ministério da Saúde, pacientes em uso de anticoagulantes deverão ter a contagem de plaquetas e o tempo de protrombina (TP) em INR (para pacientes em uso de varfarina), avaliados com frequência logo após o diagnóstico de Dengue:
Se a plaquetometria for:
-Maior que 50.000/mm³, não suspender o anticoagulante e realizar controle ambulatorial e contagem diária de plaquetas;
-Entre 30.000 e 50.000/mm³, admitir o paciente em leito de observação e suspender a varfarina substituindo por heparina não-fracionada (HNF). Iniciar a heparina apenas quando o TP se situar com INR abaixo de 2.0;
-Menor que 30.000/mm³, suspender a HNF e realizar contagem diária de plaquetas e TP.
Em relação à utilização de anticoagulantes de ação direta (DOACs) durante a infecção por Dengue, devemos seguir orientações semelhantes às dos pacientes em uso de varfarina, já que esta classe de fármacos não foi contemplada nas últimas diretrizes do Ministério da Saúde, ou seja, devemos suspender o uso dos DOACs em pacientes com plaquetometria menor que 50.000/mm³, admitir em leito de observação e acompanhar a contagem plaquetária diariamente.
Por apresentarem meia-vida mais curta que a da varfarina, os DOACs apresentam reversão mais rápida da anticoagulação, por outro lado, a ausência de testes laboratoriais específicos dificultam o manejo do paciente com sangramento.
Finalmente, é importante lembrar que a dengue é uma doença dinâmica e o paciente pode evoluir de um estágio a outro rapidamente, por este motivo os pacientes deverão ser reavaliados com frequência, especialmente aqueles em uso de terapia antitrombótica.
Bibliografia:
1-Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue : diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria Técnica de Gestão. – 4. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016
2-Pesaro, A.E.; D’Amico, E.; Aranha, L.F.C.Dengue: Manifestações Cardíacas e Implicações na Terapêutica Antitrombótica. Arq Bras Cardiol 2007; 89(2) : e12-e15.
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