Além de serem as maiores vítimas de doenças cardíacas, mulheres têm piores desfechos em cirurgia de revascularização
De acordo com as estatísticas, são mais vulneráveis a complicações no pós-operatório, sendo que as mais jovens, abaixo dos 50 anos, apresentam três vezes mais risco de morte.
*Maria Cristina Izar
Dados do Estudo de Carga de Doença Global (GBD) de 2021 estimaram para o Brasil que as doenças cardiovasculares (DCVs) causariam 162,2 mortes e 3.568,0 DALYs (Disability Adjusted Life Years) para cada 100 mil habitantes, sendo que cada DALY representa a perda de um ano de plena saúde. Embora tenhamos um progresso considerável na diminuição de óbitos por DCVs de 1980 a 2021, houve um aumento preocupante da taxa de “mortalidade bruta”, ou seja, por um período específico e recente e do número de DALYs nos últimos anos.
DCVs são a principal causa de morte entre mulheres no mundo e foram responsáveis por aproximadamente um terço do total de óbitos femininos em 2021. A doença isquêmica do coração (DIC) contribuiu significativamente para estas estatísticas. Ainda que a recorrência de DIC também tenha diminuído nos últimos 20 anos, os números indicam que a mortalidade entre mulheres de 35 a 54 anos está aumentando.
Dentro desse quadro, outro agravante – discutido no recente documento Posicionamento sobre Doença Isquêmica do Coração – A Mulher no Centro do Cuidado, da Sociedade Brasileira de Cardiologia – são os óbitos durante e pós Cirurgia de Revascularização do Miocárdio (RVM). As mulheres submetidas ao procedimento têm maior mortalidade e mais complicações pós-operatórias, apesar de menor carga aterosclerótica. Além disso, as fatalidades, no momento da RVM, são maiores nas mais jovens: estima-se um risco três vezes superior em mulheres com idade inferior a 50 anos.
Vários fatores de ordem epidemiológica, anatômica e/ou relacionados à técnica operatória fazem com que os resultados da cirurgia de RVM em mulheres sejam menos favoráveis. Entre eles, estudos apontam que, na avaliação cirúrgica, as mulheres tendem a apresentar perfil clínico de maior risco operatório, com mais incidência de comorbidades associadas, tais como hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca, síndromes coronarianas agudas e maior grau de comprometimento da função respiratória.
Um dos agentes complicadores da RVM em mulheres é que as artérias coronárias são diretamente proporcionais à superfície corpórea dos indivíduos e, consequentemente, nelas são habitualmente menores do que nos homens. Para se ter uma ideia, quando estratificada por grupos, a mortalidade em pacientes com coronárias calibrosas (2,5 - 3,5 mm) foi de 1,5%, aumentando para 4,6% naqueles com diâmetro intermediário (1,5 - 2,0 mm) e chegando a 15,8% naqueles cujas artérias coronárias tinham diâmetro médio de 1 mm. Essas características menos favoráveis aos enxertos, tanto arteriais como venosos, predispõe à trombose precoce e tendência a espasmos, aumentando a chance de desfechos desfavoráveis.
Ações específicas
Diante deste cenário árido, temos que insistir na tecla da prevenção junto à sociedade e aos governos. Ações multifacetadas, envolvendo um pool de profissionais em prol da mesma causa – afastar a probabilidade de doenças cardíacas se instalarem ou se agravarem – é a melhor e mais eficiente resposta.
Trata-se de um trabalho plural que envolve, entre outros profissionais, nutricionistas para orientação sobre alimentação saudável; educadores físicos para prescrição da melhor atividade caso a caso; psicólogos para acompanhamento emocional frente aos desafios de combate ao tabagismo, ao alcoolismo, à obesidade e à depressão, além de contribuírem para a correta adesão aos tratamentos propostos. Ciente deste cenário, a SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo mantém oito departamentos (Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Farmacologia, Odontologia, Fisioterapia, Serviço Social e Educação Física e Esporte) e um Grupo de Estudos de Cuidados Paliativos criados para promover o debate multissetorial sobre saúde cardiovascular.
O Dia Internacional da Mulher (8 de março) nos remete à necessidade de repensarmos as abordagens de cuidados cardíacos específicos para a condição feminina em nossa sociedade. Os números, que deflagram uma realidade cardiovascular não igualitária entre os sexos, requerem iniciativas também subjetivas e que considerem as peculiaridades da mulher neste contexto histórico.
* Maria Cristina Izar é cardiologista, presidente da SOCESP (biênio 2024/2025) e professora adjunta livre docente da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo.
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